terça-feira, 1 de abril de 2008

GERAÇÃO VÍDEOGAME

O juiz Carlos Alberto Simões, da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, decidiu, ainda em Outubro de 2007, proibir o uso de dois jogos de computador, assim como sua venda em todo o território nacional. A decisão demorou a ser aplicada e seus efeitos se fizeram sentir apenas no inicio de 2008 e na data em que este texto é escrito está em pleno vigor.

Os jogos proibidos são Counter Strike e Everquest, sendo que o primeiro é um dos mais populares jogos de tiro, campeão absoluto de uso nas lan houses de todo o pais.

A justificativa para o ato pode ser resumida nas próprias palavras do juiz, em uma das várias entrevistas que passou a dar, depois que sua decisão passou a ser aplicada: "os jogos trazem imanentes estímulos à subversão da ordem social, atentando contra o estado democrático e de direito e contra a segurança pública, impondo sua proibição e retirada do mercado".

Fora ter me ensinado o significado da palavra imanente (favor olhar no dicionário, como eu fiz) esta decisão e esta explicação não tem qualquer utilidade prática, uma vez que proibir dois jogos não muda em nada o fato de que continuarão a ser jogados a partir de cópias piratas e nos computadores particulares. O que se criou, foi apenas mais uma forma de punir as lan houses que decidirem não cumprir a ordem. Também prejudica-se, de forma arbitrária, os fabricantes e representantes dos jogos em questão, uma vez que existem diversos outros, com o mesmo teor e que não foram proibidos.

Se este juiz levasse realmente a sério o que afirma, o correto seria proibir todos os jogos similares. Na continuidade seria previsível trazer de volta a censura ao pais, salvando-se, assim, a sociedade de tantos vilões, mantendo a coerência com o ponto-de-vista que este juiz nos impõe, do alto do cargo que ocupa.

Esta discussão tem a idade dos jogos de computador, pois desde o primeiro momento em que armaram o Pac-man, vozes se levantaram esclarecendo que as crianças seriam contaminadas pela violência e pela maldade. Estas vozes me lembram a voz do ex governador de Nova Iorque, que perdeu seu cargo recentemente por uma conduta imoral, contrária as leis que ele próprio defendia com unhas e dentes.

A hipocrisia se perde na própria aplicação da medida, diz-se que é proibido vender o jogo mas não se proíbe que seja jogado, nem que uma lan house deve deletá-lo, pois na "prática" o jogo deve apenas ser proibido para menores. É tão confuso que nem me atrevo a comentar mais, o que fica claro é que se trata de uma decisão inócua, do ponto de vista do objetivo inicial da mesma.

Não conhecia o jogo Everquest, então fiz uma pequena pesquisa para saber mais sobre ele e talvez entender o que levou o mesmo a ser um dos escolhidos. Trata-se de um jogo on line, em que personagens da fantasia lutam o tempo todo para efetuar conquistas e pelas imagens que pude ver o jogo tem o clima da obra de Tolkien, que ficou recentemente conhecida pela trilogia "O senhor dos anéis", sucesso das telas do cinema.

Não seria o caso de proibir também os filmes e os livros de Tolkien?

Ironias a parte, fica claro que se o jogo Everquest não tem conteúdo adequado então há diversos outros que também não tem, poupo-me de citá-los pois pode ser que algum outro juiz - que na falta do que fazer - resolva seguir a dica.

Já o jogo Counter Strike eu conheço muito bem, cheguei até a iniciar o desenvolvimento de um cenário para o mesmo, inspirado por outros excelentes cenários criados no Brasil, um na cidade de Curitiba, outro na cidade de São Paulo e outro no Rio de Janeiro, sendo este último o mais famoso.

No cenário CS-RIO temos a simulação de uma favela carioca, com belas paisagens da natureza e o Cristo Redentor tomando conta do cenário de fundo. Na história o jogador pode escolher ser um policial ou um terrorista e a missão de cada um é defender ou manter reféns que foram sequestrados e levados para a favela.

Algumas músicas que tocam durante o jogo podem até ser interpretadas como inadequadas, mas se forem ouvidas sob a ótica do bom senso, o que se verá é que não passam de músicas, que brincam com a dura realidade.

O que se faz durante o jogo vem da opção particular de cada um, alias não vejo neste jogo qualquer diferença das brincadeiras que eu próprio fazia quando era criança. Meus amigos e eu pegávamos cabos de vassouras ou revólveres de brinquedo e qualquer terreno baldio, construção ou a própria rua viravam um cenário de guerra onde fazíamos exatamente o mesmo que as crianças de hoje fazem em Counter Strike.

E no exército me obrigaram justamente a fazer a mesma coisa, mas com armas de verdade e certamente correndo riscos bem maiores.

Em 2005 administrei uma Lan House e não precisei de ordem nenhuma de juiz para solicitar aos pais que autorizassem quais jogos seus filhos podiam ou não jogar. Qualquer jogo que contivesse um mínimo de violência só seria liberado se os pais autorizassem pois a princípio, quem decide o que é bom ou não para seu filho é o pai, não creio que os juízes estejam em melhor posição que eles para saber o que é nocivo ou não a formação de uma criança.

A noção do certo e errado não pode ser dada se mostramos apenas um dos lados, parodiando uma música do Lulú Santos, não se pode entender o que representa a luz se não formos apresentados ao escuro, ou entender o que é o som se não conhecermos o silêncio.

Na minha opinião um jogo como Counter Strike tem a finalidade de estabelecer quais os parâmetros existentes dentro dos diversos cenários que apresenta. O que está em jogo ali é a eterna luta do bem contra o mal, na verdade uma forma - como qualquer outra - de apresentar a uma pessoa opções que ninguém deveria precisar ver de verdade, para entender.

Critica-se a violência no jogo, mas o que se faz para mudar a violência real? Esquecendo que o jogo apenas reproduz algo que já existe desde que o mundo é mundo, o ser humano não é e jamais foi um ser pacífico, a violência é imamente ao ser humano e é preciso dar as pessoas as opções de conhece-la e de saber como controla-la e não apenas fingir que ela não existe.

GTA - REALIDADE NAS TELAS DO MICRO

Um outro jogo muito polêmico e que já foi proibido em vários paises (curiosamente passa desapercebido no Brasil) é o GTA, acrônimo para Grand Theft Auto, que poderia ser livremente traduzido como GRANDE LADRÂO DE CARROS.

A primeira versão do GTA foi lançada em 1997, sem maiores pretensões e mais do que a qualidade dos gráficos e a inovação em jogabilidade o jogo chamou atenção por mostrar na tela algumas questões que ainda hoje não são bem aceitas.

Em GTA o jogador pode fazer o que achar melhor, pode roubar carros, pode atirar nas pessoas, atropela-las ou pode simplesmente ser o Sr. Certinho, como ocorre em um comercial bem recente da Coca-Cola, que usa o jogo como pano de fundo.

Toda a campanha da Coca-Cola, baseada no GTA pode ser vista em:

http://www.cocacola.com.br/ray.do?page=loadRayHome

Evidente que a Coca Cola não ia arriscar sua marca ligando-se a um jogo polêmico, sem antes consultar especialistas em várias áreas e se uma grande empresa consegue perceber este lado bom, porque então os "entendidos" em leis não conseguem chegar a mesma conclusão? Alias muito já fariam se cuidassem de assuntos mais importantes, ao invés de buscar auto-promoção a partir de ações hostis contra jogos inócuos.

As duas primeiras versões do GTA, que foram proibidas em diversos países, podem ser baixadas gratuitamente, direto do site do fabricante:

http://baixaki.ig.com.br/download/Grand-Theft-Auto.htm

http://baixaki.ig.com.br/download/Grand-Theft-Auto-2.htm

A partir do sucesso destes primeiros jogos os criadores criaram a empresa Rockstar Games e partiram para a primeira versão em 3D do mesmo jogo. A mudança foi radical, dos gráficos vistos de cima das versões iniciais o jogador passa a ter visão em primeira pessoa e as ações possíveis se ampliam.

A premissa do jogo é mantida, a decisão sobre se vai ser um vilão cruel ou não é apenas do jogador.

Já foram veiculadas reportagens em diversos veículos onde se faz a ligação das ações deste jogo com ações reais, alegando-se que o jogo induz pessoas a praticarem tais ações. Só que estes veículos, muito convenientemente, se esquecem - SEMPRE - de informar que antes do jogo existir (na verdade antes de computadores existirem) tais ações já eram praticadas.

O jogo não criou a violência, apenas as reproduz e isso não vem pronto é preciso que alguém controle o personagem e o leve a praticar tais ações.

Nunca vi um qualquer reportagem sobre GTA divulgar que no jogo pode-se dirigir um carro de bombeiros e apagar incêndios, ou uma ambulância, que irá socorrer pessoas, um carro da polícia ou um simples táxi. Mas isso está lá e é bem interessante, também é possível fazer como o personagem Ray (da Coca-Cola) e ao invés de cometer crimes, simplesmente combate-los, questão de quem está jogando fazer a escolha.

Existem jogos que se propõe a simular a vida real, como o SIMs, que são indicados para crianças. Sinceramente, eu prefiro um filho meu jogando GTA onde a vida aparece em todas as suas nuances do que jogando SIMs, onde uma vida fantasiosa induz ao consumo desenfreado e trata assuntos importantes como o sexo e relacionamentos, de forma tão idiota que certamente pode causar mais danos a formação do que um jogo onde estes relacionamentos são mostrados de forma mais realista, com ação e efeito.

Claro que GTA e todos os demais jogos onde a violência está presente, podem causar dano sim. Isso acontece se não forem devidamente compreendidos ou se forem jogados por pessoas que já tenham um precedente anti-social.

Aquele jovem que pegou uma metralhadora e atirou nas pessoas em um shopping de São Paulo alegou que agiu inspirado em um filme mas isso é só parte da história. O jovem tinha antecedentes médicos que indicavam bipolaridade e mesmo assim seus pais permitiram que o mesmo fosse tentar cursar uma faculdade de medicina, onde evidentemente o estresse poderia perturbar ainda mais sua mente delicada. Culpar um filme pelo seu ato insano é ignorar a quantidade absurda de estímulos que todos temos.

Para cada maluco que se "inspira" em um jogo, livro ou filme há toda uma legião de pessoas sãs, que assistem os filmes, jogam ou lêem sabendo perfeitamente a diferença entre a realidade e a fantasia e aproveitando o conhecimento que a fantasia pode nos proporcionar.

Já tentaram demonizar as histórias em quadrinhos e até mesmo os desenhos de Walt Disney já foram alvo de críticas, onde pessoas em busca de promoção pessoal tentam provar que são danosos a infância, claro que os jogos de computador tinham que ser alvos destes "guardiões da sanidade".

As gerações que trocaram o pião e a bola de futebol pelas telas do computador precisam ser mais respeitadas, cabe aos pais e as pessoas investidas do poder legal, criarem métodos efetivos de ampliar a educação e o conhecimento, reduzir a pobreza e as desigualdades, pois estes sim são métodos eficientes de melhorar a sociedade e o ser humano, os jogos de computador apenas vão acompanhar as tendências e não defini-las.

Alguém já pensou que se jogos de computador tivessem esse poder todo, esta geração deveria estar andando pelas ruas vestidas com a capa de Matrix, portando metralhadoras portáteis e atirando no que não concordassem?

Não é isso que acontece, eventualmente um maluco faz isso, mas ao invés de ser considerado a excessão que sempre foi, há quem defina o ato como a nova tendência e ao invés de buscar esclarecer tenta culpar os jogos de computador, mais ou menos como aquele marido que ao descobrir a esposa traindo-o no sofá da sala, se livra do sofá e considera que resolveu o problema.