terça-feira, 26 de agosto de 2008

Um garoto chamado Felipe

Em 2005 este escriba decidiu levar adiante um empreendimento, tratava-se de uma idéia antiga e senti que era o momento de concretizá-la. O momento não tinha chegado e não foi daquela vez, mas por 8 longos meses dediquei todo meu tempo ao Infobirô, uma espécie de local multimídia, onde várias atividades relacionadas com a informática deveriam tomar rumo, especialmente a de ensinar e ensinar a quem precisa.

O Infobirô foi criado na ilha de Paquetá, um local paradisíaco no Rio de Janeiro, mas sob o manto da beleza e da tranqüilidade se esconde uma tristeza, que se reflete nos olhos dos meninos que moram na ilha.

A maioria deles tem como maior objetivo na vida se tornar ou cocheiro ou gari e mais recentemente sonham em poder trabalhar para um sujeito que implantou o uso de bicicletas de transporte de passageiros na ilha, uma espécie de riquixá que chama de eco-táxi.

Quando cheguei lá e montei o Infobirô sonhava em dar aulas para os garotos, ensiná-los a usar computadores ou câmeras digitais e enquanto preparava a estrutura para realizar este sonho conheci o Felipe.

Desde meu primeiro dia na Ilha ele estava lá, olhando algumas fotos da inauguração do lugar lá está a cabecinha dele, com um sorriso franco e a careca inconfundível de um menino negro, de apenas 11 anos e que – queira Deus – terá um futuro diferente.

A mãe trabalhava como doméstica, ficava fora da ilha o dia inteiro e quando Felipe saia da escola ficava perambulando pelas ruas, até altas horas, quando a mãe voltava, provavelmente moída de tanto trabalhar, mesmo assim ela tinha o mesmo sorriso do filho.

Eu a conheci quando a chamei para autorizar que eu desse aulas gratuitas para o menino, como o Infobirô era mais conhecido justamente pela sua atividade menor (Lan House) nem sempre as pessoas sabiam o objetivo do lugar.

Escolhi o Felipe não por ser pobre ou negro, na verdade ele que se auto-escolheu quando fez uma redação que foi premiada em um concurso da prefeitura. A redação chegou a minhas mãos e fiquei surpreso com as idéias que um garoto de apenas 11 anos, que nunca teve um computador, tinha a respeito da informática e da Internet.

Pedi para conhecer o autor e quando tive a oportunidade, perguntei de onde tinha tirado aquelas idéias e ele respondeu que eu tinha falado para ele.

Realmente, dei uma palestra na ilha logo que inaugurei meu estabelecimento e lembrei que ele estava na primeira fila, fazendo muitas perguntas, mas nem eu mesmo lembrava do que tinha falado. Foi muito bom constatar que pelo menos uma almazinha tinha me ouvido e entendido.

Foi engraçado começar a dar aulas para o Felipe, comecei devagar, pedindo que ele digitasse em um programa que ensina a posicionar os dedos corretamente no teclado. É um programa bem simples, que deve ser usado em média 15 minutos por dia e permite aprender a digitar corretamente.

Tinha que mandar o Felipe parar, ou ele ficaria horas digitando. Enquanto os garotos que os pais pagavam, não queriam ficar nem 5 minutos.

Comecei a lhe ensinar a usar o Photoshop, ele gostava de desenhar, então pensei em lhe dar algumas noções, eu mesmo, que me considero desenhista profissional, tinha levado algumas semanas para aprender o básico do Photoshop.

Felipe aprendeu o básico em uma tarde e o resto aprendeu sozinho, foram poucas as vezes em que veio me perguntar algo.

Do Photoshop resolvi apelar e passei para o Corel Draw, imaginando que ele ia se atrapalhar com conceitos de desenho vetorial.

Qual nada, menos de um mês depois de eu lhe ensinar os comandos iniciais o Felipe já fazia cartazes para os comerciantes locais e convites para os amigos.

E foi assim com tudo, lhe dava alguns conceitos do que é um website e no dia seguinte ele estava montando um sozinho, cometendo erros mas corrigindo praticamente sozinho.

Decidi parar de atrapalhar e disse a ele que podia escolher o que queria fazer e se tivesse dúvidas que me perguntasse.

Word e Excell ele tirou de letra, Powerpoint parece que ele já conhecia antes de eu mostrar para o que servia e só se atrapalhou um pouco com banco de dados, mas até eu me enrolo com banco de dados até hoje.

Dei um curso de caricaturas, usando o Photoshop, e inscrevi o Felipe, que teve o melhor aproveitamento da turma, ao final do curso me surpreendi com ele ensinando os outros.

E em breve o Felipe virou professor, as crianças não queriam que eu as ensinasse a usar o MSN ou similares, preferiam o Felipe, que falava a linguagem deles e ensinava direitinho.

Eu tinha um jornalzinho de informática, que publicava em papel e o Felipe perguntou se escrevesse uma carta para o jornal se eu publicaria. Disse a ele que podia escrever uma coluna se quisesse e deixei com ele mesmo a escolha do tema. E para incentiva-lo, publiquei a sua redação vencedora.

Não é que escreveu direitinho, como gente grande, com os pontos e vírgulas no lugar e um texto tão contundente quanto a redação que fez minha atenção despertar para seu potencial. Ele ganhou uma coluna fixa.

Tentei reproduzir o fenômeno com outros meninos e meninas da ilha, mas todos – sem exceção – desistiam praticamente antes de começar, isso me fez concluir que Felipe é especial, tive pouco a ver com seu crescimento, basicamente apenas lhe dei a oportunidade.

Com o fechamento do negócio tive que deixar a ilha e preocupado com o futuro do Felipe pensei em doar um computador a ele, como o negócio tinha fracassado estava sem recursos mas um computador velho não ia me fazer falta. Não é que roubaram o tal computador. Saí do lugar sem remorsos ou ressentimentos mas com lágrimas nos olhos, apenas pelo futuro do Felipe.

Futuro que ele vai conquistar de qualquer jeito, da última vez que conversamos pelo MSN ele me disse que tinha sido contratado pela biblioteca da Ilha e que lá tem computadores, onde ele continua a dar aulas para as crianças e ainda ganha uns trocados cuidando desta área da biblioteca.

Ele está agora com apenas 14 anos e já está conquistando seu futuro, exatamente o que dizia que ia conquistar na tal redação, onde dizia que queria aprender informática para poder ensinar a outras crianças.

Lembrei do Felipe porque li a reportagem principal da última Veja, que informa sobre a situação caótica da educação no Brasil, com pais, professores e alunos enganando a si mesmos e se formando no primeiro grau sem sequer saber escrever direito.

Felipe não tinha nada, estava em um ambiente ruim, em situação ruim e soube fazer prevalecer sua força de vontade. Soube que ele ficou em vigésimo lugar na ultima seleção do soletrando e que chorou muito por não ter conseguido, foi uma pena pois ele ia se sair muito bem. Espero que tenha melhor sorte na próxima edição do programa, mas mesmo que não ganhe este empurrão ele continuará a ser a exceção dessa terrível regra que assola este país.

A você Felipe, meus parabéns, siga em frente e mostre como se faz.

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