terça-feira, 10 de março de 2009

História da Informática no Brasil - Parte 6

MSX, O PADRÃO QUE NÃO ACONTECEU

No início dos anos 80 proliferavam modelos de microcomputador, eram muitas siglas, muitos fabricantes e cada computador procurava vender a idéia de que era melhor do que os outros, os programas e arquivos não eram compatíveis entre si, não havia acentos nem no teclado e nem na codificação das letras, o mundo vivia uma perfeita Babel da informática, onde a única padronização vigente era o código ASCII, (American Standard Codification) que definia as posições da letras do alfabeto em uma matriz de 255 bits e foi o primeiro passo rumo a uma padronização que era necessária.

No Brasil a bagunça era maior, como nunca existiu um computador realmente fabricado aqui tínhamos que conviver com nomes de computador que eram diferentes dos nomes dos modelos dos quais foram clonados e muitas vezes a clonagem implicava em modificações que impediam o uso de boa parte dos programas existentes para um determinado modelo.

Para tentar colocar um pouco de ordem nesta bagunça a Revista Micro Sistemas, que foi a primeira revista especializada em informática do Brasil e na qual este escrevinhador teve a honra de trabalhar por alguns anos, começou a definir “linhas” de microcomputadores e estas linhas representavam um conjunto de máquinas que tinham algum tipo de compatibilidade entre si.

As linhas valiam tanto para micros clonados como para os micros dos fabricantes originais, foi ai que surgiram termos como Linha Sinclair, para todos os modelos de micro fabricados a partir dos micros de Clive Sinclair, que já foi tema de dois artigos desta série. Se a memória permitir, todas estas linhas serão abordadas ao longo da série, não com uma visão apenas técnica ou histórica, mas as impressões de um usuário, de alguém que usou efetivamente estes computadores dentro do contexto daquela época.

Cada linha de computador teve um impacto diferente no comportamento das empresas e das pessoas e algumas não fizeram qualquer diferença, foram simplesmente ignoradas e esquecidas.

Não é o caso da linha MSX, um fenômeno tão interessante que tem seguidores e adeptos até os dias de hoje, mantendo vivo um tipo de computador que pretendeu conquistar o mundo.

O padrão MSX nasceu de um consórcio de grandes empresas fabricantes de eletrônicos, a memória não me permite lembrar de cabeça quais as marcas que participaram, mas uma rápida “googlada” vai mostrar aos mais curiosos que as empresas que eram líder em eletrônica entraram neste consórcio, nomes ainda fortes como Phillips e Sony estavam presentes na lista.

O movimento começou na Europa e Japão e alastrou-se pelos continentes, chegando inclusive ao Brasil e pela primeira vez empresas nacionais podiam fabricar um computador sem a prática da clonagem.

A linha MSX era inovadora em todos os aspectos, os idealizadores da idéia entenderam que seria mais proveitoso definir um padrão aberto de hardware, que pudesse ser copiado em todo o mundo.

O projeto era ambicioso para a época pois parecia difícil que grandes empresas, acostumadas a desenvolver seus próprios projetos fossem se interessar por um projeto que qualquer outra empresa podia fazer igual, mas o milagre aconteceu e o MSX foi o primeiro micro criado dentro de uma idéia globalizada, algo que vigora nos dias de hoje, mas em 1980 parecia muito utópico.

Num universo onde havia pelo menos uma centena de tipos diferentes de computador, surge a redenção na forma do MSX, que era visto como o computador do futuro, aquele que substituiria todos os outros e que permitiria a todos, em todo o mundo usar os mesmos programas, os mesmos periféricos, enfim, esperavam que ocorresse com a linha MSX o que ocorreu com a linha PC.

O MSX era a união de tudo que havia de melhor na época. Tinha processadores dedicados a cada tarefa, livrando o processador central de ter que fazer tudo e ganhando em performance.

Padronizando os periféricos estes poderiam se tornar mais baratos, como ocorreu mais a frente com os periféricos da linha PC, quem acreditaria que um gravador de DVD pudesse um dia custar o que custa hoje ou que a memória baixasse tanto o preço?

Mas era isso que o MSX prometia e – de certa forma – cumpriu, mostrando o caminho. Um computador barato, padronizado e eficiente.

Ninguém esperava que justamente a linha PC fosse acabar fazendo isso, de forma totalmente caótica, com cada fabricante de placa ou de processador fazendo do jeito que considerava melhor.

O padrão MSX seguia rígidas regras de compatibilidade, um MSX deveria ser igual ao outro em todo o mundo, não necessariamente na aparência externa, mas sim no hardware, um periférico criado para o MSX do Japão deveria funcionar perfeitamente no Brasil.

Deveria, mas não funcionou justamente no Brasil, que teve a duvidosa “honra” de produzir dois MSX que eram diferentes dos MSX do resto do mundo e ainda por cima os dois eram incompatíveis entre sí, um feito realmente digno de vaias para a Gradiente e a Sharp, que decidiram fabricar este modelo no Brasil.

Não eram totalmente incompatíveis, mas por razões que apenas os gênios que comandam estas empresas devem saber, os micros MSX brasileiros foram criados com ligeiras modificações que exigiam solda e paciência dos usuários para poder usar alguns dos programas ou periféricos.

Fora esta falha “made in Brazil” houve uma falha estrutural no projeto todo, o MSX foi criado baseado em uma plataforma de 8 bits, que era a plataforma tradicional da maioria dos computadores daquela época, com exceção do Macintosh e do Amiga, que foram projetados para trabalhar com 32 bits.

Quando se diz 8 bits ou 32 bits estamos falando de poder de processamento dos chips principais de um computador, o chamado processador. Para uma referência comparativa, entre 1980 e 2008 os microcomputadores mais poderosos usam processadores de 64 bits.

Em 1980 8 bits era o suficiente, mas para um “computador do futuro” não só pareceu, como foi pouco, o consórcio tentou mudar isso lançando posteriormente o MSX 2, com 16 bits, mas aí a industria já estava na era dos 32 bits, deixando o “novo” MSX para trás antes mesmo que nascesse.

Não se pode dizer que o projeto fracassou totalmente pois ainda existe quem fabrique MSX no mundo, especialmente no Japão, mas o sonho de criar o computador para todos não passou de sonho e ironicamente quem acabou se tornando o computador “para todos” foi o PC, que havia sido fabricado pela IBM com a intenção de ser um computador exclusivo da marca, mas quando perceberam o PC era um padrão mundial, sem nunca a IBM ter permitido isso.

O IMPACTO DO MSX NO BRASIL

Apesar dos problemas de lançamento, como a tal incompatibilidade entre os dois modelos nacionais, que foi posteriormente solucionada o MSX foi provavelmente o computador que mais gerou a criação nacional de software e hardware.

Era muito comum, naquela época trazer simplesmente os programas de fora e adaptar a nossa realidade e isso aconteceu com o MSX também, mas pela primeira vez surgiram empresas dedicadas a criar programas e hardware para o micro, empresas que surgiram do nada, com a finalidade exclusive de atender a linha MSX, o que era outra novidade no cenário nacional, onde apenas o fabricante do computador costumava vender os programas, mera pirataria oficializada por uma lei mal concebida e mal executada.

O MSX não escapou te ter a maioria de seus programas produzidas fora do Brasil, mas empresas legitimas começaram a surgir para atender esta linha, inclusive uma delas foi criada pelo irmão do Ayrton Senna, produzindo periféricos para o computador MSX.

Talvez a empresa que tenha se destacado mais foi uma do nordeste, que criou um leitor de disquete compatível com a linha MSX. A novidade era interessante porque na época ainda se utilizava fita K7 para gravar programas.

Havia também muitos equipamentos aos quais os usuários de computador não estavam acostumados, tais como programas em DVD, algo absolutamente inédito para a época.

Digitalizadores de imagem ou câmeras de vídeo podiam ser facilmente adaptados a linha MSX, assim como impressoras e outros periféricos que não faziam parte do universo tradicional do usuário doméstico.

O MSX foi a linha mais expressiva de computadores jamais criada. A razão principal de não ter efetivamente tomado o mundo talvez seja não ter sido bem aceito justamente no mercado que mais consumia computadores naquela época, o dos EUA.

Já existiam muitos computadores de 8 bits famosos nos EUA, que tinham suas legiões de seguidores e certamente este foi o motivo do MSX não conseguir fazer lá o sucesso que fez no resto do mundo.

O que decretou o fim do projeto foi certamente o surgimento de computadores mais poderosos, a preço mais baixo e que ironicamente acabaram fazendo exatamente o que o projeto MSX desejava, unificar os modelos em todo o mundo.

A era PC certamente terá seu ocaso e provavelmente perderá espaço para a miniaturização de componentes, que fará surgir algum novo tipo de computador, mas já ficou comprovado que o melhor caminho é a padronização e apenas os mentores do MSX tiveram a ousadia de assumir este processo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário