terça-feira, 18 de março de 2008

RELACIONAMENTOS NADA VIRTUAIS

Após o advento da Internet, a sociedade descobriu que precisava aprender a lidar com um novo formato de comunicação, a comunicação virtual, ou seja: os chamados Chats, comunicadores expressos, e-mail, blogs e tantas outras opções, baseadas ou não no uso do texto, já que atualmente pode-se usar som e imagem com muita facilidade. Inclusive já proliferam os mundos virtuais, onde a pessoa é representada por um avatar e praticamente pode recriar sua vida num ambiente que na verdade só existe dentro de servidores cada vez mais sofisticados e na mente dos participantes.

Em alguns países já é comum a preocupação das autoridades com esta fuga da realidade, na qual mergulham crianças, jovens ou adultos, seja em sofisticados vídeo-games, sistemas on line ou apenas o prosaico MSN, que tem dominado o cenário mundial.

Um internauta que se considere minimamente informado dirá que essa febre começou em 1997, com a invenção do ICQ, que já foi o sistema dominante para a comunicação virtual direta, entre duas ou mais pessoas e acabou desbancado pelo MSN, clone criado pela gigante Microsoft e que hoje é mais conhecido por Windows Live Messenger.

Mas quem informar que começou ai, estará equivocado. Na verdade a comunicação virtual on line começou bem antes, nascendo praticamente junto com a própria Internet, nos EUA. Precisar datas seria inútil, pois em um primeiro momento, o sistema era restrito apenas a alguns grupos, inicialmente exclusividade dos militares dos EUA, posteriormente foi extendido ao meio acadêmico, também apenas nos EUA e só bem mais tarde começou a tomar o mundo.

A França foi um dos primeiros países a entender que o processo era interessante e inovou com um sistema bancado pelo governo, chamado Minitel e que integrou escolas e pessoas de uma forma nunca feita antes.

Mas engana-se também quem achar que os brasileiros ficaram muito atrás, pois ainda no início dos anos 80, o Brasil tinha um sistema similar ao Francês (na verdade era o mesmo, copiado descaradamente e com nome diferente) que foi batizado de Video Texto e junto com outros sistemas formou uma base de comunicação que poucos tiveram a oportunidade de conhecer, já que computadores não eram um artigo fácil e barato.

Mesmo assim era comum, ainda em 1985 existirem salas de bate-papo (chat) ao vivo com lotação de 50 pessoas e não era (felizmente) apenas uma, eram dezenas de salas, sempre cheias em determinados horários. Mesmo existindo poucos computadores no país, a procura era sempre superior a demanda e se uma ligação telefônica caísse dificilmente o azarado(a) conseguiria entrar novamente na sala.

O Vídeo Texto tinha - basicamente - tudo que podemos ver na Internet atual. Era possível enviar email, fazer compras, pesquisar preços, ver mapas e baixar milhares de programas ou temas. Claro que não era igual a hoje, pois tudo era muito limitado e restrito a algumas cidades mas estavam lá e a comunicação virtual entre pessoas também.

A comunicação virtual é muito anterior ao evento Internet, ou ao evento computador. "Cyrano de Bergerac", um dos mais conhecidos romances, fala justamente disso, da comunicação entre duas pessoas a partir de versos, poemas e textos que eram escritos por um narigudo muito inteligente, para que um bonitão, que era puro charme e pouca mente, poder conquistar uma amada. Vejam que não se trata apenas de um romance, o Cyrano existiu mesmo e foi contemporâneo da sua própria história, escrita por Edmond Rostand.

Do mesmo modo, existiram outras famosas duplas, mais conhecidas na história pelo teor de suas conversas, trocadas por correspondências que espantaram o mundo, só que, evidentemente, tinham um ritmo muito mais lento na época em que ocorreram. Um exemplo, são as correspondências trocadas entre Anaïs Nin e o escritor americano Henry Miller, que chocaram o mundo ao serem publicadas.

COMPLEXO DE BERGERAC

Por favor, não castiguem este pobre escrevinhador se tal complexo não existir. A idéia é informar como podemos ter (ou não) certeza do que iremos encontrar do outro lado da tela.

Assim como a bela Roxane não fazia idéia de que seu próprio primo era o autor das cartas pelas quais se apaixonou, não há como saber se aquele apanhado de letrinhas caprichadas informam exatamente a realidade.

Mas pobres dos mentirosos do mundo virtual, pois a este estarão relegados, por toda a eternidade. O final feliz do Cyrano não é a regra na Internet, pois sempre chega o momento que é preciso comprovar os anunciados olhos verdes, o corpo sarado e outras bobagens que as vezes se diz... na esperança de parecer um pouco melhor.

E isso faz muitas pessoas fugirem dos relacionamentos virtuais, auxiliadas pelo que se vê na mídia, onde são destacadas apenas as histórias mais lamentáveis de falsos tipos, que omitem, ou mentem descaradamente, sobre assuntos importantes.

Raramente se vê uma reportagem sobre os casos de amor que deram certo, sobre as amizades duradouras (algumas com mais que o dobro da idade da Internet) ou com todo tipo de relacionamentos, que simplesmente deixaram de ser virtuais e se tornaram reais. Ouve-se menos ainda sobre histórias de solidariedade que acontecem todos os dias, inclusive do tipo que salva vidas.

Falsidade sempre existiu e sempre vai existir, seja nas telas do computador ou na vida real. Ela é inerente ao ser humano e não a Internet. A vantagem do mundo virtual é que por saber da possibilidade e facilidade da mentira podemos ter mais cuidado. A regra é fazer como São Tomé.

O ERMITÃO

Voltando a citar aqueles que são tragados pelo mundo da virtualidade e acabam se isolando do mundo, trancafiados dentro da própria mente, com histórias macabras onde a pessoa simplesmente anuncia o próprio suicídio aos amigos virtuais ou se retiram da frente do computador apenas para mostrar a aversão ao mundo real... matando ou ferindo pessoas.

Não são "crias" da Internet ou dos computadores, são pessoas com problemas, são estas pessoas que levam seus problemas a Internet e não o contrário.

Mas é preciso um pouco de auto-consciência, comer demais nos torna obesos, dormir demais nos torna preguiçosos, mentir demais nos torna párias e certamente virtualizar demais irá nos causar algum tipo de problema, talvez todos os anteriores e alguns outros.

O Japão é um dos países onde o fenômeno têm se manifestado de forma mais intensa, especialmente entre adolescentes, que se fecham em seus quartos e passam a não sair para mais nada, já surgiram por lá clínicas especializadas em tratar este tipo de comportamento. Não é difícil constatar que isso venha a ocorrer em outros lugares. O mais provável é que a raiz dos problemas não esteja no que usam para fugir da realidade, mas sim a própria realidade. Cabe aos entendidos em comportamento, explicar e esclarecer.

Na outra face da moeda, encontra-se um remédio para outro tipo de solidão, a de pessoas que desejam conviver em grupo mas não podem, seja por uma enfermidade, por se encontrarem distantes dos locais mais agitados ou por qualquer outra razão, temporária ou não. Com a Internet e as ferramentas de comunicação disponíveis é possível minimizar estas situações e manter o contato diário com amigos distantes.

EXISTE AMOR E FELICIDADE NAS TELINHAS?

Existe! Claro que existe.

Este escrevinhador tem sobrinhas morando no Japão, a última vez que as vi eram do tamanho de seus atuais filhos, que só vi a partir de fotografias (enviadas pela Internet) ou por sessões de conversa com câmera. Uma delas voltou recentemente para o Brasil e no próximo mês verei a pequerrucha - pela primeira vez - no seu aniversário de 4 anos. Mas eu a vi crescer, acompanhei muitas coisas, pela telinha do micro.

Desta mesma forma, pais e avós podem matar a saudade de seus entes queridos, como por exemplo um filho que se encontra estudando no exterior, ou namorados e casais, que podem manter a chama do amor acesa, mesmo quando estão separados por grandes distâncias.

Uma conversa com os recursos atuais está muito próxima (as vezes mais próxima) do contato visual. Claro que não é a mesma coisa que o contato real, seria algo parecido como colocar duas pessoas separadas por uma parede de vidro, podem se ver, se falar, mas não podem se tocar (ainda não).

Em níveis mais simplificados, a comunicação ocorre apenas com texto e pode-se conversar até a exaustão. Neste caso a habilidade de se expressar com as letrinhas, pode fazer uma enorme diferença.

Mas e quando as pessoas ainda não se conhecem... será que ainda é possível surgir um amor?

Aí já não é possível responder com tanta certeza. Já vi e vivenciei situações em que existe um enorme calor na troca de letrinhas mas ao passar para o mundo real não acontece o tão falado "clima". Creio que nosso D. Pedro I passou por esta experiência, assim como a sua rainha, importada da Áustria e, provavelmente, Dona Leopoldina também não esperava encontrar um príncipe tão... digamos: pouco cavalheiro.

Só existe um único momento em que isso pode ser comprovado! Será na famosa hora, do primeiro encontro. Não se recomenda a ninguém que viaje da Áustria para o Brasil ou vice-versa na esperança de que o mundo real seja tão interessante quanto eram as conversas no MSN, porque o imprevisível pode acontecer, tanto para o bem, quanto para o mal.

Assim como muitos primeiros encontros são decepcionantes, na contrapartida há aqueles em que a realidade se torna ainda mais interessante e isso é muito mais comum do que se poderia esperar, não conheço pesquisas a respeito, mas conheço - particularmente - muitos casais que se conheceram assim.

Não seria um excelente tema para um pesquisador?

Isso não quer dizer que basta alguém entrar num site de relacionamentos e irá encontrar imediatamente sua outra metade da maçã. Mas com toda certeza é possível saltar algumas etapas, de todos os rituais de encontros, conhecidos da história da humanidade.

Em muitos casos, bastam algumas horas de conversa para se saber mais da vida de uma pessoa do que convivendo anos com ela, pelos processos tradicionais.

E não se deve confundir a busca de um parceiro ou parceira com o chamado sexo virtual, já que este é somente um formato eletrônico para uma prática antiga, que consiste em provocar a sexualidade a partir de imagens, textos e muita imaginação, coisa que existe desde que imprimiram o Kama Sutra.

Conhecer pessoas usando os novos meios de comunicação é uma arte, que precisa ser aprendida pois é tão nova que não tem paralelo com nenhuma outra.

Na troca de mensagens, de fotos e de imagens, sentimentos muito particulares podem ser despertados com algum exagero, já que a não existência do contato físico permite um maior controle de alguns sentimentos que podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso num encontro real. O que não se pode tirar da mente é o fato de que o encontro real precisa acontecer, para que o processo tenha continuidade. Apesar de todos os recursos existentes, um relacionamento virtual ainda é algo não usual ao ser humano.

Tenho visto namorados virtuais, casais virtuais até, mas não passam de encenações e em um determinado momento acontecem até mesmo as brigas virtuais e tudo volta a ser como antes, ou seja, o mesmo nada que sempre foi.

Já as amizades virtuais são bem mais promissoras de sobreviver neste mundo, hackers trocam informações, colecionadores trocam suas figurinhas, correspondentes trocam textos, enxadristas se divertem com seus jogos e podem passar toda uma vida sem nunca se encontrarem, porque seu objetivo principal não é este.

E quando os encontros entre amigos acontecem, costumam ser bem interessantes.Quem recebe alguém de muito longe costuma ser hospitaleiro mesmo que o visitante seja absolutamente estranho e traga um canguru na coleira, na verdade quanto maiores as contradições, maior será o "risco" da amizade se expandir.

Ou seja... o mundo virtual é muito interessante, amplia as possibilidades da existência e nada impede que se transforme em vida real. Quando alguém diz que a Internet está cheia de lixo, sempre respondo que uma única ação solidária, uma única informação importante ou um simples gesto de ternura, que podemos ver ao vivo, no momento em que acontece, como os primeiros passos de um bebê por exemplo, fazem valer todo o lixo, todos os pilantras e todos aqueles que não sabem usar com critério uma ferramenta tão útil.

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