terça-feira, 15 de julho de 2008

HISTÓRIA DA INFORMÁTICA NO BRASIL - PARTE IV

A RESERVA DE MERCADO

Quando os militares assumiram o governo do Brasil, entenderam que deveriam fazer algo para preservar o avanço do país em tecnologia e criaram uma lei que passou a ser conhecida como "Reserva de Mercado".

Era uma lei bastante complexa e até bem intencionada e acredito que não se possa culpar os militares pelo atraso tecnológico que causou ao país, mesmo porque todo o atraso veio também das diversas formas e artifícios que alguns empresários utilizaram, usando falhas ou deturpações desta lei.

Basicamente a lei pretendia impedir a entrada no país de computadores comprados no exterior, para um computador ou equipamento eletrônico ser vendido no Brasil era preciso cumprir uma série de regras, sendo que a maioria delas eram desastrosas, do ponto de vista comercial, isso fez com que as grandes empresas de tecnologia simplesmente passassem a ignorar o Brasil.

A idéia por trás da lei era obrigar as empresas a transferir tecnologia para as empresas nacionais e também garantir a subsistência destas empresas em um mercado muito novo, que começava a se formar, o dos computadores.

Para garantir e fiscalizar o cumprimento da lei foi criada a SEI (Secretaria Especial da Informática) que passou a responder por qualquer atividade ligada a hardware e software no país. Este autor tem o duvidoso privilégio de ter 4 programas registrados na SEI, são jogos de computador e provavelmente os primeiros deste tipo a procurar o orgão para registro, pelo menos é o que sempre me disseram, mas não há como saber, de qualquer forma tive a oportunidade de conviver - em todos os níveis - com aquela época confusa.

Não era fácil, lidar com os programas e equipamentos que a SEI aprovava era um teste de paciência e resignação para qualquer um.

SOFTWARE

O Brasil está - ainda nos dias de hoje - muito atrasado em termos de criação de software, praticamente não existe nenhum software brasileiro que tenha sido sucesso mundial e isso vem desde os anos 80.

A lei, que pretendia facilitar a vida dos criadores acabou fazendo o efeito contrário, pois sem acesso a bons computadores como se podia pretender que as pessoas desenvolvessem algo?

Um dos softwares de maior sucesso junto ao meio empresarial chamava-se "Carta Certa" era um editor de textos, similar ao Word, mas fora o fato de serem ambos editores de texto as similaridades ficam apenas por conta da imaginação. O programa era tão esquisito que usava a tecla ESC para aceitar uma entrada, sendo que a tecla ESC (de ESCAPE) sempre foi utilizada universalmente para SAIR de algo, para finalizar, no Carta Certa usavam para entrar dados.

O programa era terrível, usá-lo era um sacrifício, mas era praticamente obrigatório, já que outros excelentes programas editores de texto simplesmente não podiam ser comprados pelas empresas, uma vez que não atendiam as especificações mínimas da Reserva.

Programas mais complexos, na área de engenharia, CAD, ou sistemas eram simplesmente impossíveis de serem criados, restava a quem quisesse utiliza-los gastar muito dinheiro para convencer a SEI de que não existiam similares nacionais e aí apareciam os espertinhos, que criavam um "similar" e tentavam empurrar para as empresas, tudo com o aval oficial do governo.

Não é por acaso que muitos dos "empresários" ligados a estas empresas da picaretagem eram parentes de militares ou os próprios, já que para estes sempre foi mais simples resolver os infinitos entraves burocráticos que impediam o progresso nesta área.

Não quer dizer que não se fez nada no Brasil, o país é pioneiro em tecnologia de sistemas bancários e sistemas para gerenciar lojas e industrias surgiram, mesmo com todas as limitações. Vi um destes exemplos bem de perto quando tive oportunidade de trabalhar na Chocolate, uma franquia de roupas para mulheres que foi pioneira em Automação Comercial e contava com excelentes programadores em seu quadro de funcionários e criou todo o seu sistema a partir de conhecimentos próprios.

Mas são exceções que confirmam a regra, nos demais setores o Brasil ficou praticamente congelado, nada se fazia e não aconteceu o esperado desenvolvimento tecnológico.

HARDWARE

Na área de hardware o buraco era ainda mais embaixo, os defensores da SEI esperavam que as empresas transferissem tecnologia de ponta para empresas brasileiras, aceitassem ter menos que 10% do capital destas empresas e ainda que os empresários fossem honestos. Era querer demais.

Com isso proliferaram as "marcas nacionais" de computadores que simplesmente desrespeitavam direitos autorais e utilizavam-se descaradamente de processos de engenharia reversa para criar falsos computadores "brasileiros" que na verdade não passavam de clones de computadores famosos no exterior.

Um dos casos mais escandalosos foi o da empresa Microdigital, que "fabricou" diversos clones e colocava neles sua marca. Como a série TK (Abreviatura dos nomes dos dois donos da empresa) que era cópia mais que descarada de um famoso computador criado por Sir Clives Sinclair, tão simples e tão bem feito que começou sua vida no Brasil em revistas de eletrônica, podendo ser montado por curiosos ou técnicos com conhecimentos de eletrônica. O TK não era o único computador da Microdigital, mas certamente foi o mais popular, a verdade é que eles copiaram praticamente todos os modelos que existiam na época e a empresa era vista como uma "gigante" na área.

A empresa oficial do governo, a Cobra, praticava exatamente o mesmo delito, mas certamente o fez em esferas diferentes e os computadores da Cobra acabaram sendo o padrão para universidades, bancos e órgãos influenciados pelo governo, como eram sistemas de maior porte o público não tinha noção do que acontecia e o povo achava que o Brasil "crescia" nesta área.

Voltando ao TK, os advogados do verdadeiro criador do micro abriram um processo contra a indecente pirataria que estava sendo praticada as vistas de todos e o resultado do processo demonstrou em que nível o país se encontrava. Um juiz deu ganho de causa a Microdigital, afirmando que haviam pequenas diferenças entre os equipamentos e que isso não permitia aceitar a clonagem.

Sinclair deve ter se conformado, reza a lenda que foi feito um acordo entre sua empresa e os demais fabricantes do seu excelente micrinho pois outras empresas seguiram o mau exemplo e o micro ZX, de Sinclair chegou a ser pirateado por até 4 empresas, todas sob o aval da Reserva de Mercado.

Falo destes micrinhos pouco conhecidos porque eram os mais populares, os que efetivamente chegavam a casa das pessoas, já que os "grandes" computadores eram ainda privilégio de uns poucos.

E entre os micros podemos colocar os vídeo games, o Atari 2400 teve sua estréia no Brasil como uma das maiores muambas já feitas, a Mesbla, que na época era uma das maiores lojas de varejo do país, trouxe o console em um Natal e afirmava que ele tinha sido produzido em Manaus, mas sabe-se que o máximo que fizeram em Manaus foi mudar o chip que controlava a cor do equipamento, já que nos EUA o sistema era NTSC e no Brasil era PAL-M, para o videogame funcionar nas TVs brasileiras era preciso fazer um processo chamado transcodificação.

A industria da televisão e vídeo e dos automóveis foi uma das mais prejudicadas com a Reserva de Mercado, os chips eram considerados material de informática e tinham que ser submetidos a aprovação da SEI, imagina-se o mar de corrupção que não foi gerado e enquanto isso o brasileiro pagava caro por material de segunda categoria, muambado ou até mesmo falsificado.

Quando Collor de Melo assumiu a presidência e assinou oficialmente o fim desta lei, fez certamente seu único ato decente de governo, embora a lei já estivesse insustentável quando Collor assumiu seu mandato.

O FIM DA RESERVA

O que veio depois é conhecido, o Brasil hoje já está entre os países que mais utilizam a tecnologia em todo o mundo, mas ainda não nos recuperamos de praticamente duas gerações que não puderam acompanhar o resto do mundo e ter acesso a tecnologia, enquanto Bill Gates brincava na sua escola com supercomputadores os garotos brasileiros (onde se inclui este escrevinhador) mal conseguiam ter acesso a uma máquina de escrever e este custo não tem como recuperar, temos no Brasil um buraco tecnológico de mais de 20 anos e por isso mesmo a Índia, China, Coréia e tantos outros países com menos recursos estão se destacando na área tecnológica, em software e hardware.

Chegaremos lá, hoje vejo com muita felicidade que até mesmo os jogos de computador começão a ser aceitos como uma profissão do futuro no país onde criadores de jogos eram vistos como marginais ou - na melhor das hipóteses - crianças crescidas que não tinham muito o que fazer.

O Brasil tem excelentes talentos, há programadores brasileiros se destacando em todas as áreas, mas praticamente não fabricamos chips, até mesmo simples memórias só começamos a fabricar recentemente e não existe nenhum gênio de informática que tenha escrito ainda seu nome na história e seja brasileiro.

Com toda a certeza, enquanto o mundo sofria a revolução da informática o Brasil e seus governantes achavam-se muito espertos e como sempre a conta é apresentada a nós, o povo.

E a lição aparentemente não foi aprendida ainda, recentemente começamos a usar TV de alta definição no país e copiou-se um erro dos mais crassos que a Reserva de Mercado permitiu, quando tivemos a pretensão de inventar um novo sistema de codificação de cores, sistema este que só sobrevive graças a grande base instalada, mas quase não se vê mais TVs que usem o sistema PAL-M e com o advento da TV digital os sistemas deixarão de ser importantes.

O que se fez no caso das TVs foi optar por não adotar nenhum dos sistemas já existentes no resto do mundo, novamente o Brasil sonha grande demais e julga que pode criar seu próprio sistema, quando na verdade não dispõe de mentes geniais o suficiente para isso e ficará dependente de outros países, neste caso o Japão, que encontra nos brasileiros o apoio para seu sistema, que até então estava perdendo para os adotados nos EUA e na Europa.

E com isso perde-se tempo, perdem-se oportunidades e gasta-se o dinheiro que suamos para ganhar.

Mais detalhes, perguntas ou sugestões a respeito deste tema serão bem vindos na lista criada para esta coluna.

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